Do verbo Amar [me]
Tenho uma amiga que em tempos, praticamente quando nos conhecemos namorava com um homem do qual tentava acabar a relação que tinha problemas. Contava imensas vezes que ele a ameaçava. Ela vivia com medo mas também dizia que não acreditava que ele lhe pudesse fazer realmente algum mal maior. A relação terminou mesmo, depois de um dia em que ele voltou a fazer-lhe ameaças, ela não aguentou mais e teve a coragem de dizer basta. Nos tempos seguintes, era dar de caras com ele em muitos sítios, sentíamos mesmo que ele a perseguia. Mas nunca chegou a aproximar-se de forma violenta mesmo com as ameaças que ia deixando. Acabou em bem. Demorou mas seguiu à sua vidinha e nunca mais se ouviu falar dele. Podia ter acabado mal, hoje em dia cada vez mais estas relações conflituosas têm o mesmo final, a morte de alguém. Cada vez mais novos. Têm coragem de tirar a vida a outra pessoa como se aquela vida lhes pertencesse. Num outro dia, numa festa de aniversário, uma amiga da minha amiga aniversariante chegou lavada em lagrimas a disfarçar ao máximo acompanhada do namorado. Tentamos perceber o que se passava, mas evitou. Durante a noite, por entre um copo e outro, uma dança ou uma ida ao wc lá deixou escapar que antes mesmo de sair de casa ele obrigou-a a mudar de roupa (estava de vestido, apareceu de calças). O casal bem mais novo que eu, aquilo revoltou-me lá dentro quase que lhe puxei as orelhas à miúda que era gira e nada burra e disse-lhe para ela sair daquilo, tão novos e no namoro assim, depois só piora. Ela apenas disse-me que não, que o amava. Era o feitio dele. Depois avisaram-me que não valia a pena, porque não era a primeira vez que acontecia e ela não ouvia ninguém. Desconfio de quem chama a isto amor, é mais medo do depois de uma relação acabar e de pensar-se que o mundo acaba no momento que uma relação termina. Pasmem-se, é apenas uma fase, não acaba.
Isto cá dentro revolta-me. Mesmo não sendo directamente comigo. A ideia de que tudo vai melhorar, de que foi só uma vez, de que não chega a vias de facto, de que o amor cura tudo, é apenas uma ideia. A realidade não é bem assim. E isto vem de namoros. Vem de pessoas cada vez mais novas. E nos dias de hoje tiram vida como quem "dá cá aquela palha". E é preciso não pensarem que acontece só aos outros. Que acontece só na casa ao lado. Na aldeia vizinha. É preciso acreditar que ninguém merece isto. Que um dia a segurança infelizmente neste país também nos vai passar a perna porque se calhar só se vão lembrar de nós quando já cá não estivermos para contar o fim da história e temos que antever a situação. Estar atentas. Não adiar. Nos dias de hoje em que tiram vida como quem "dá cá aquela palha" é preciso gostarmos um bocadinho mais de nós e da nossa vida.