Desafio de escrita dos pássaros #14
» Não nasci para isto «
Manuela está outra vez a ter um surto psicótico. E é mesmo como o Doutor diz. Contado ninguém acredita, só mesmo quem passa por elas sabe o quanto isto é difícil de lidar.
A carta para entregar nas urgências de psiquiatria era explícita "está com uma crise de surtos psicóticos e tem que ser analisada pela especialidade".
Foram horas de espera numa ala com tantos outros doentes do mesmo e em que quem lá está se depara com uma realidade que, provavelmente se nunca passarem por ela, imaginam que possa existir.
"Não pode ficar internada, vai ter que ir para casa e analisarem os próximos passos" - foi só o que o médico disse.
Manuela estava agora sossegada devido à medicação administrada. Sossegada demais até para os dias agitados que passou.
E agora, vai para casa de quem? Já não pode ficar mais sozinha. Tem que estar em permanente vigilância. Vai para onde? Questiona Joana que é quem tem menos condições para ficar com ela, mas é quem tem ficado nestes dias.
Aurora diz logo que não pode. Assim como Fernando também não quer.
Temos que nos ajudar uns aos outros - diz Joana - e neste momento ela precisa de todos.
Mas eu não posso, refere novamente Aurora.
No dia seguinte Joana volta a encontrar-se com todos para resolverem a situação.
Aurora é a primeira a manter a posição - Eu não posso!
Eu não nasci para isto - diz Joana... As pessoas estão lá quando não precisas, quando estás bem, quando um Olá e Adeus chega. Mas quando é preciso mais que isso, quando é preciso que se ajude. Quando já não têm idade e capacidade para estar só, quem está lá? Os velhos não vão de férias. Os velhos não são descartáveis. A família não é família só quando estão bem! Eu não nasci mesmo para isto. Eu não sou isto. Eu não sou como vocês. Isto não está certo.
Mas eu não posso - repete Aurora.
Podemos sempre metê-la num lar - atira Fernando!
Joana, cabisbaixa, não se identifica com aquilo e diz: é de lamentar que se ela morresse agora todos lhe vinham chorar a morte, mas neste momento ninguém lhe quer ajudar a melhorar a vida.
Eu não posso, volta a referir Aurora.
Manuela assiste à discussão sem uma única palavra. Sem deixar perceber se está a entender o que se passa se não. Terá Manuela nascido para isto?!
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