"Há dias de merda"
Há efectivamente dias de merda. Todos temos os nossos. Cada um fica com os deles. Mas...
O que aconteceu no final do dia de sábado acho que tocou a muita gente. Alguém que ajuda a salvar vidas perde a vida de uma maneira tão violenta, trágica e quase incompreendida. É daquelas cenas que uma pessoa tantas vezes diz, tantas perguntas que ficam sem resposta. Tantas respostas que não servem para nada, nem para responder à pergunta.
Há efectivamente quatro mortes a lamentar. Quatro vidas que ajudaram a salvar uma, minutos antes de não conseguirem salvar a própria vida.
Daqueles textos/desabafos que nos tocam:
"Ontem descolei do aeroporto do Porto com destino a Genebra. A minha preocupação – claramente egoísta – é que aquele seria mais um dia longo. Três sectores de voo, onze horas de trabalho. Pouco antes de entrar em espaço aéreo espanhol ouvimos na frequência um helicóptero do INEM em comunicação com Lisboa. Dirigia-se para o Porto. Como ex-piloto de helicópteros da Força Aérea, lembro-me de pensar que uns 30.000 pés abaixo de nós, estaria provavelmente um amigo e ex-camarada meu. Aterrámos em Genebra, reabastecemos, embarcámos passageiros e descolámos de regresso ao Porto. Ao reentrar em espaço aéreo português o sistema de defesa aérea nacional, a cargo da Força Aérea, tentava entrar em contacto com o mesmo helicóptero do INEM sem sucesso. Comentei no cockpit que “a malta do INEM devia ter aterrado algures por causa do mau tempo”. Chegámos ao Porto pouco depois e seguimos para o Funchal.
Há dias de merda. Lá em baixo, para lá daqueles 30.000 pés, estava efectivamente um amigo e camarada. Alguém que esteve comigo na mesma esquadra de voo. Alguém que esteve presente no meu último voo como piloto militar. Alguém que amava aquilo que fazia. Com ele, outros três excelentes profissionais. E aqui, nestes dias de merda, a experiência não torna as coisas mais fáceis. Quando somos mais novos, especialmente quando ganhamos as nossas Asas, convencemo-nos que somos invencíveis. Um puto a quem deram um avião ou um helicóptero. O mundo a nossos pés. É inerente a qualquer piloto. É, arrisco, inerente a qualquer pessoa que faz aquilo que ama. E, como em tudo na vida, com a idade vem a percepção da realidade. A percepção de que somos falíveis e que o risco, esse, está sempre de braço dado com a nossa profissão. E ver camaradas “voarem” para o seu derradeiro voo não fica mais fácil com o tempo. Pelo contrário. Torna-se mais doloroso. Especialmente quando o fazem no desenrolar de uma missão em prol de todos nós.
Há dias em que a Vida nos prova que é uma grande filha da puta. Que é injusta. Que leva os melhores de entre nós demasiado cedo.
Ontem foi um desses dias."
Daqui: http://merlin37.com/
A todos os familiares e amigos, ao inem, aos profissionais que estão lá para nós, os meus sentimentos nestas horas de dor.